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sábado, 10 de julho de 2010

As estações do sofrimento humano

Quando a nuvem do sofrimento paira sobre a atmosfera de nossa existência ou sobre o dia a dia de nossos familiares, de uma maneira misteriosa, nós somos inseridos no mistério do sofrimento e assim começamos a percorrer o nosso caminho do calvário. De algum modo, tal qual as estações climáticas, o sofrimento humano também possui suas estações: outono, inverno, primavera e verão. Períodos nos quais enfrentamos semanas de chuvas torrenciais, frios intensos, sol escaldante, dias curtos e noites escuras.

A primeira estação do sofrimento que devemos percorrer é o outono, período em que percebemos que o sofrimento e as dores são realidades que nos acompanham e às vezes podem ser atrozes e dilacerantes. Sem pedir licença ou permissão, de um momento para outro, as dores físicas, espirituais e morais passam a afligir-nos e assim os dias ficam mais curtos e as noites bem mais longas. Consultas, exames médicos, permanência no leito de um hospital e convalescença. Diante dessas situações, os parques e os jardins da nossa fé começam a ficar cobertos com as folhas dos questionamentos e com a comprovação de que é fácil carregar a cruz durante o período de um dia, mas é extremamente difícil carregá-la, com garbo e zelo, quando este período se prolonga por um ano, dois, ou até mesmo por uma ou mais décadas. No outono do sofrimento, nós somos chamados a crescer na fé e na santidade, a armazenar reservas espirituais e a colher os primeiros frutos provenientes da aceitação das limitações advindas das dores. Um saboroso fruto que colhemos nesse inesperado outono é a consciência de que “o sofrimento é um fardo pesado só se você, por medo, tentar evitá-lo; mas se você aceitar o sofrimento com coragem, ele se tornará uma doce experiência”. (Van Thuan, “O caminho da esperança, nº 717”).

Com a passagem do outono e a permanência da realidade do sofrimento, o enfermo começa a vislumbrar que, nesse ano, o inverno será bem mais rigoroso, a temperatura irá cair drasticamente, pois ele irá precisar sempre mais do conforto, do acolhimento e da presença calorosa dos amigos e familiares, para aquecer suas esperanças. Tempo, prioridades e compromissos são totalmente modificados. Desse modo, os dias são curtos e, por isso, se o enfermo não cuida, escurece mais cedo. Na noite escura do sofrimento, o enfermo começa a reclamar dos cuidados que recebe, demonstra mágoas e busca consolações humanas. Nesse estágio, ele aparenta ser a pessoa mais infeliz da terra e questiona a Deus: “Por que justamente comigo, Senhor?”

Essa situação de se declarar uma vítima, uma pessoa injustiçada, só se modifica quando um frio intenso invade a existência do doente e, em meio aos calafrios, ele eleva o olhar aos céus e mergulha na infinita misericórdia do Pai. Ao adentrar o terreno da misericórdia divina, o enfermo aprende a professar: “Bendito seja Deus, que nos consola em todas as nossas aflições”. (2 Cor 1, 4). Ele aprende também a dizer: “Se quiser evitar o sofrimento, esqueça a idéia de se tornar um santo”. (Van Thuan, “O caminho da esperança, nº 702”).

Com a santificação diária do sofrimento, o inverno chega ao fim; tem início a primavera, com seus dias longos e quentes. Nessa agradável estação, o cantar dos pássaros, a beleza das borboletas e o perfume das flores se tornam fonte e inspiração para a oração do doente, para o seu diálogo com o Senhor. As dores, as limitações e as dificuldades permanecem e até aumentam sua intensidade, mas quando o doente repousa sua confiança em Cristo, nosso amado Salvador, o sofrimento torna-se sumamente positivo, criador, redentor, a ponto de chegar a suscitar a felicidade, a entrega, a renovada alegria e um intenso júbilo, pois, invocando o cuidado materno de Maria Santíssima, Saúde dos enfermos, o doente percebe a ação do Espírito Santo em sua alma, ajudando-o a padecer em Jesus os seus próprios sofrimentos. Nessa florida estação, o sofrimento é visto como uma via de purificação, pois tem a capacidade de ascese. Essa ascese incrementa a vivência das virtudes teologais da fé, da caridade e da esperança, e quanto maior é a esperança de um enfermo, tanto maior é também nele a capacidade de oferecer suas dores por amor do bem e da verdade.

Quando o enfermo consegue vislumbrar que “por Cristo e em Cristo se esclarece o enigma da dor e da morte” (Gaudium et Spes, nº 22), ele começa a vivenciar o verão, a estação mais quente do ano, que traz consigo um clima de alegria no ar. Por ter aprendido a adubar, plantar, regar e podar, o doente verifica que, em termos espirituais, mesmo com o corpo debilitado, as árvores de sua correspondência ao amor de Deus e sua oração pelo próximo estão verdes e carregadas de frutos. Nesses dias quentes do verão da fé, a terra sedenta do coração do enfermo recebe mais chuvas por causa do amadurecimento das virtudes. Mesmo enfrentando dias de sol escaldante, de uma hora para outra, no leito do hospital ou dos lares que são transformadas em UTIS residenciais, surge com intensa luminosidade uma serena luz, evidenciando que “no rosto de todo ser humano, em particular, se sofre ou está desfigurado pela enfermidade, brilha o rosto de Cristo”. (Mensagem do Papa Bento XVI para a Jornada Mundial do enfermo de 2007). Esse brilho singular da face amorosa do nosso Redentor que vislumbramos na face dos doentes faz-nos salmodiar em meio aos sofrimentos: “Muitos males se abatem sobre o justo, mas o Senhor de todos eles os liberta”. (Salmo 33).

Graças aos avanços da medicina, as doenças e as dores podem ser tratadas, vencidas e superadas, mas tudo isso demanda tempo e, por isso, podemos ser inseridos nas estações do sofrimento inúmeras vezes. Encerrar o verão do sofrimento não pressupõe necessariamente eliminar definitivamente as dores e os males. Podemos voltar a percorrer a estação do outono, não mais da mesma forma que percorremos a primeira vez, mas sim com a plena certeza de que Deus acolhe as nossas lágrimas secretas, ensina-nos a não esmorecer na prática do bem e estimula-nos a oferecer com entusiasmo as pequenas e grandes fadigas de cada momento, inserindo-as no sublime compadecer de Jesus.

A todos os doentes, os seus familiares e amigos, saibamos sempre oferecer nossas orações, para que, por meio da poderosa intercessão da Virgem Maria, dias mais serenos, em termos de saúde, voltem a brilhar no céu dos nossos irmãos enfermos, a quem suplicamos a perseverança na prática da oração em prol da paz no mundo e pela conversão dos pecadores. Amados irmãos enfermos, permaneçam firmes na justiça e na caridade! Agradecemos pelo testemunho de fidelidade em meio às contrariedades. Que Deus os recompense pela prática do bem!

Aloísio Parreiras
(Movimento de Emaús de Brasília)

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