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terça-feira, 31 de agosto de 2010

CNBB teme eleição plebiscitária e defende voto "mais humano"

  Foto: Divulgação

Para Daniel Seidel, a análise da trajetória de cada candidato é fundamental para o voto


PRISCILA TIEPPO

Em época de eleição, não é difícil ver candidatos frequentando templos, sejam eles de qual religião for, em busca de apoio na campanha. Muitas vezes, os políticos esquecem-se de suas próprias convicções em busca de voto, reforçando que a orientação religiosa pode pesar em uma votação.

No debate entre os presidenciáveis realizado pela Rede Canção Nova, uma TV da Igreja Católica, no último dia 23, foram debatidos temas considerados polêmicos como aborto, células tronco e sexo na adolescência. Mas, também, não faltaram perguntas que remetiam à religiosidade dos candidatos, como, por exemplo, se eles acham que é importante o presidente da República acreditar em Deus.

Apesar do debate aberto aos candidatos, será que existe alguma orientação da Igreja para a votação? Como a Igreja Católica vê o debate entre políticos? Apoiará algum candidato? Em busca dessas respostas, o Terraentrevistou Daniel Seidel, secretário-executivo da Comissão Brasileira de Justiça e Paz da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil(CNBB), que analisou a atual campanha e disse que definir voto dizendo se o atual governo é bom ou ruim, não é favorável ao País. "É por isso que a gente quer propor o voto mais humano, ou seja, que as pessoas conheçam a trajetória de vida dos candidatos, as suas propostas", afirmou Seidel.

Leia a entrevista:

Terra - Até agora a disputa entre os candidatos tem sido saudável? Eles estão esclarecendo a posição deles em relação aos problemas do Brasil?
Daniel Seidel - Eu acho que isso está muito restrito a quem tem acesso às redes sociais, ainda não decolou. A nossa percepção ainda é incompleta. O que a gente deveria considerar é que a avaliação dos candidatos que se apresentam nesta eleição é muito boa, claro que isso depende dos seus projetos, dos seus programas, mas existe uma qualidade em comum que é que todos tem trajetória pública, tem uma trajetória de compromissos, bom conhecimento do País. Só que, com os debates e propaganda eleitoral, as proposições de governo podem aparecer de uma forma mais clara. Os meios da mídia vão ser importantes na formação da opinião, mas os grandes meios de comunicação acabam sendo muito seletivos, não permitindo ao eleitor um contato mais genuíno com que o que caracteriza cada campanha. Pelo menos, é o que a gente percebe neste início de campanha.

E qual é a avaliação que você faz dos candidatos, das propostas do Serra, da Marina e da Dilma? Acha que eles estão conseguindo abranger os problemas que a Igreja identifica na sociedade?
Na verdade, a CNBB lançou em março uma campanha sobre economia e um dos questionamentos que a gente coloca é como fazer o desenvolvimento econômico com justiça social. E, inclusive, para garantir a defesa do meio ambiente, para que a gente possa ter uma relação mais responsável com a natureza. A gente percebe que nesse âmbito econômico, não há muita diferença entre as várias propostas dos candidatos, mas nenhuma delas toca profundamente na questão da concentração de renda que existe no País. Há certa concordância na política dos juros altos. A taxa de juros, empréstimos, a própria oferta de créditos, muitíssimo ampliada, acaba levando boa parte do valor e da riqueza do País para alguns setores sociais. O Brasil ainda vai ter que entrar no próximo governo de uma forma desigual, porque não cria as condições de responsabilidade no desenvolvimento, de uma perspectiva mais igualitária. A candidata Dilma passa a ideia de mais Estado, com a justificativa de continuar a fazer as políticas sociais. A ideia que o Serra passa é um pouco mais mercado, a iniciativa privada. E a candidata Marina que não deixa muito claro, fala muito do desenvolvimento sustentável, mas que não chega a apresentar. Ela faz uma síntese das outras duas candidaturas, mas de fato fica um pouco embaçado.

Por que o senhor acha que só com o debate as posições dos candidatos ficarão mais claras?
Porque quando nos debates forem sendo colocadas as demandas de cada um dos setores que fazem o debate, os candidatos serão convidados a se posicionarem. Então, neste sentido, as questões que ainda não estivessem presentes em seus programas comecem a serem colocadas as questões importantes para que tenhamos uma modernização democrática brasileira, porque sem o confronto de ideias as eleições correm o risco de virar um plebiscito, ou seja, se você é contra ou a favor do governo atual e a gente acha que isso é ruim para o Brasil. Cada vez mais a gente quer que o Brasil cresça por essa nova presença mundial que o País tem ocupado. É por isso que a gente quer propor o voto cidadão, ou seja, que as pessoas conheçam a trajetória de vida dos candidatos, os seus compromissos, as suas propostas e depois de eleitos eles possam ser acompanhados e cobrados. E que nós valorizemos também as candidaturas proporcionais, porque as pessoas têm de perceber que a gente não está nas eleições apenas para escolher o presidente da República.

A Lei Ficha Limpa serviu para mostrar que a sociedade não está tão apática, como as pessoas acham que está, ou foi um caso pequeno, esporádico?
Não, a gente acredita que a participação mostrou que a sociedade está interessada nos rumos que o País possa ter. Agora, ela não está disposta a entrar em campanhas que não tenham fundamento. Eu acho que uma grande conquista com a Ficha Limpa foi mostrar que a gente pode canalizar a nossa indignação para algo construtivo. Isso é importante e nos anima muito para o próximo passo que é a reforma política, sobre o qual vamos conversar após as eleições.

Em ano de eleição, o Vaticano tem alguma orientação para as dioceses, arquidioceses?
Não, nós não temos nenhuma orientação mais apropriada para o período de eleições, especificamente. A Igreja, por sua preocupação e consideração, propõe em seus documentos estas diretrizes, até de programas e temas que sirvam de critério para a escolha de um candidato, como a justiça social, preocupação com meio ambiente, de toda uma política que seja voltada para o reconhecimento das diferenças regionais. Então, ela acaba fazendo uma reflexão e propondo às dioceses. Então, as dioceses soltam notas, declarações, fazem cartilhas para que estude os núcleos de reflexão, envolvimento das pastorais, de forma que o voto dos católicos seja mais consciente e que depois também acompanhe o desempenho daquele que foi eleito.

Mas existe algum direcionamento mais específico ou o apoio a algum candidato, às ideias de algum candidato?
Na verdade, a igreja serve os critérios para que as pessoas possam fazer sua escolha de forma consciente. De fato, a decisão é dos eleitores que vão fazer os debates e seminários sobre os problemas em cada região do País. Isso são orientações que são passadas, para perceber quais deputados, quais candidatos a cargos do Executivo mais se aproximam do que aquela região tem levantado. Porque a ideia é que este debate produza propostas para que depois os candidatos se comprometam com a execução dessas políticas públicas. De fato, não temos direcionamento para candidatos e nem para partidos, na verdade.

Dentro das reflexões que são feitas, quais são os pontos mais urgentes para o próximo presidente resolver?
O primeiro ponto é reformar o Estado, ou seja, recriar todos os mecanismos de participação, tanto na esfera federal quanto estadual ou municipal, para que tenhamos as demandas do povo ribeirinho, dos quilombolas, dos excluídos. Outra seria buscar alternativas ao consumismo, ou seja, parece que o horizonte da vida das pessoas está muito ligado ao que elas têm capacidade de consumir. Outra questão importante é o acesso ao emprego, aos benefícios, para que tenhamos, em médio prazo, uma inclusão de todos aqueles que estão fora da previdência social. Outro ponto é a preocupação com o solo, a água, os recursos naturais, o pré-sal. A questão da terra, tanto como moradia como reforma agrária. A discussão sobre a ecologia, que é o desenvolvimento de acordo com os biomas e o debate sobre a ética na política. As proposições são feitas muito no âmbito do desenvolvimento e da justiça social, se fosse resumir.

Qual a comparação ou reflexão que a CNBB chegou a fazer entre o governo Lula e o do Fernando Henrique Cardoso, que foi anterior? Teve melhora na questão social, na política econômica?
Na verdade, a avaliação foi feita a grosso modo. Nós tivemos uma postura crítica sobre os processos de privatizações que foram questionáveis, na sua forma de acontecer, por suas disparidades. Então, de fato, é importante uma presença maior do Estado e o fortalecimento dos órgãos públicos, no governo atual. O governo antecessor fez com que tivéssemos a execução de políticas sociais mais amplas como o Bolsa Família, por permitir que a estrutura do Estado deixasse que isso acontecesse. Agora, claro, em termos da política econômica e a questão do Banco Central, essa crítica a gente fez no governo FHC mais que no atual.

O fato de, na campanha eleitoral, os candidatos frequentarem as igrejas é prejudicial? Como o senhor vê isso? Há muitos que nem seguem aquela religião, mas vão aos templos.
Se é um costume do candidato ir à igreja, é saudável que ele continue fazendo. Mas, a presença dele só reafirma a importância da igreja na sociedade.

Sobre o artigo do bispo Luiz Gonzaga Bergonzini, de Guarulhos (SP), que se mostrou contrário à candidatura de Dilma, era a opinião da Igreja Católica?
Cada bispo pode oferecer orientações aos seus fieis, como achar melhor. Esta não foi a única carta, temos outras cartas que já foram escritas, mas essa tomou uma proporção maior. A CNBB soltou uma declaração com apresentações gerais, mas não se manifesta contra ou a favor de determinada candidatura.

O que mais influencia as pessoas na hora de escolher em quem votar, na sua opinião?
É como elas percebem a presença do Estado na vida delas. Há o processo de seleção, mas, por exemplo, o filho teve acesso à educação, houve empregos para as pessoas da família. Infelizmente, o crivo do voto passa muito pela vivência concreta das pessoas.

Fonte: Terra!!!

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