Falta a muitos cristãos essa moderação com relação a Jesus. Fazem como o apreciador de bebidas que perde o limite e bebe duas garrafas de vinho ou cinco de cerveja. Para não parecer que bebeu demais oferece aos amigos uma cervejinha. Quanto mais cerveja bebe mais a chama de cervejinha. No fundo é porque já se deu conta de que bebeu mais do que devia e eufemisticamente a diminui em termos, mas não em quantidade. Encharcam-se daquilo que mais gostam e perdem a lucidez, Um dia o corpo não agüenta mais tanto prazer e reage. Mas aí já é tarde. O bebedor não controla mais a garrafa.
Caminho semelhante percorre o religioso que sobre Jesus aos borbotões e de uma só vez. Como no caso do bebedor ele nunca admite que passou dos limites e fica ofendido quando alguém lhe diz que seu Jesus o está embriagando. Luz demais ao invés de mostrar o caminho, cega! Jesus demais, ao invés de ser caminho, vira desvio. A isso chamamos de fanatismo: Jesus que vem todo de uma só vez, Jesus sem moderação, é Jesus demais!
Há bebida demais, comida demais, açúcar demais, chocolate demais, ginástica demais e pode haver religião e Jesus demais. Sabedoria é descobrir a dose certa de bebida , de remédio, e de comida que faça bem. É uso inteligente. Sabedoria é saber que Jesus vem aos poucos. O Deus que nos vem às vezes torna-se o Deus que nos convém ou o Deus que não nos convém porque vem em doses que nossa mente não tem como assimilar.
Chamei uma vez a atenção de uma equipe que dirigia uma emissora de rádioem substituição a outros católicos que a mantinham. Não teria falado se não perguntassem. Mas perguntaram o que eu achava da nova programação. Pedi um tempo e por três dias deixei o rádio ligado na dita emissora. Vôlei e reuni os quatro responsáveis. Disse com toda a clareza: - “É Jesus demais! Vocês estão a fazer como o sujeito gosta de vinho e o oferece 24 horas por dia um cálice depois do outro aos seus ouvintes. É música religiosa demais, testemunhos demais, frases piedosas demais, mensagens demais, Jesus demais. Dosem isto! Acabarão bêbados e embebedarão seus ouvintes. Dêem notícias, leiam e comentem o jornal do dia. Ponha canções não religiosas mas de boa mensagem na programação. Leiam trechos das encíclicas mais recentes, dos documentos mais recentes da Igreja, diversifiquem. Toquem música clássica, música estrangeira de boa qualidade, cultura africana, grega, italiana, norte-americana e alemã . Dêem cultura aos católicos.”
Um deles que tinha mais poder do que os outros me agradeceu e disse que discordava de mim. Eu, padre, professor de catequese e comunicação, deveria ser o primeiro a ficar feliz que finalmente alguém estava falando de Jesus 24 horas por dia... Nada foi mudado.
Perderam audiência de maneira chocante. O líder que me repreendeu por que achar que havia Jesus demais naquela emissora, três anos depois deixou a movimento. Ele mesmo ficou saturado.
A reflexão que vem do papa Bento XVI no já mencionado livro, merece atenção especial. Ele fala de catequese progressiva. De um Jesus que vamos assimilando aos poucos. Ninguém está pronto para beber uma garrafa inteira de vinho sem perder a lucidez. Ninguém é capaz de respirar Jesus 24 horas por dia sem perder a lucidez. Vinho não embriaga ninguém. Nem Jesus. O que embriaga é o excesso. Orar demais é tão errado como nunca orar ou orar de menos. A doutrina chamada ascese existe para que encontremos Jesus do jeito certo e na dose certa! Mas diga a um bebedor inveterado que ele está passando do limite. Mesmo caindo de bêbado ele reagirá dizendo que nunca exagerou!
O mesmo Papa lembra que nos evangelhos está uma descoberta progressiva de Jesus. Marcos afirma: És o Cristo. Lc: És o Cristo de Deus e Mateus: És o Cristo, Filho do Deus vivo. Ele chama a esta catequese de uma lenta evolução de aprendizado. Nossa cristologia de hoje não começou no século passado e não vai se cristalizar. Jesus é como ouro: quem procura mais, quase sempre acha mais. Quem não procura, talvez veja o que um outro achou, mas nem sempre lhe dá o devido valor. Quem desesperadamente sai por aí garantindo que seu grupo achou mais do que todos os outros acaba vendendo ganga como se ouro fosse!
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