Dom Odilo Pedro Scherer |
Afinal, o que está acontecendo? Pessoas colocam livremente a própria dignidade em leilão em troca de dinheiro? O fato foi acompanhado com curiosidade morbosa e até com torcida, para ver até aonde a oferta chegaria. Chocar, por quê? Nas calçadas de certas ruas da cidade e em tantas “casas do amor” não acontece o mesmo todos os dias, sem que isso chame a atenção, ou cause consternação em ninguém? Há mesmo quem queira legalizar a prostituição, como se fosse uma profissão qualquer. Tudo se resolve no nível econômico, também para traficar pessoas, reduzi-las a escravas, vender bebês, comerciar órgãos humanos...
E há quem compre ou venda votos nas eleições, comprando ou vendendo a própria dignidade; e também quem suborne a Justiça, pondo em liquidação a própria consciência; há quem compre armas, use-as contra os outros, faça violência, mate, tudo pela vantagem econômica. E há quem trafique drogas, lucrando com o comércio da morte; e quem, simplesmente, vai roubando o que é dos outros ou de todos: tudo pela vantagem econômica que está em jogo...
Grande novidade nisso tudo não há; coisas que sempre aconteceram. O novo é que, sem nos darmos conta, estamos assimilando uma cultura do mercado, na qual o fator econômico passou a ser o referencial maior: de uma cultura de valores éticos e morais, para uma cultura do valor econômico; o bem maior parece ser a vantagem econômica, que tudo permite e legitima, amolecendo qualquer resistência do senso moral. Tudo fica justificado, se há vantagem econômica. Aonde vamos parar?
Está mais do que na hora de colocar tudo isso em discussão novamente; será que essa tendência cultural vai levar a um aprimoramento das relações humanas? A uma dignidade maior no convívio social? A uma valorização real das pessoas, ao respeito pela justiça e a paz? Provavelmente não. Certamente não. O ser humano, avaliado, sobretudo, na ótica da razão econômica, deixa de ser pessoa e vira objeto quantificável.
Nisso também não há grande novidade; no passado, houve a exploração dos escravos, dos operários, das mulheres. Mas, sob protesto. O preocupante, agora, é que essa maneira de ver e fazer passe por aceitável e normal e a própria pessoa “objetizada”, outrora considerada vítima, agora seja vista como um sujeito autônomo e livre, que faz o que quer, também com sua própria dignidade; e tudo vai bem assim...
Voltaremos às feiras em que se vendem escravos? Livremente expostos à venda, aliás, ao leilão? O leilão da virgindade, por internet, é um fato que deve preocupar educadores, juristas, filósofos... Da curiosidade morbosa, é preciso passar à reflexão, talvez com um pouco mais de vergonha diante do que está acontecendo. Nossa dignidade comum está sendo leiloada! É deprimente.
Arcebispo de São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário